Reminiscência de Almada Negreiros 

"Os olhos são para ver e o que os olhos veem só o desenho o sabe" disse um dia Almada Negreiros.

José de Almada Negreiros desenhou-se ao longo da vida dezenas e dezenas de vezes; talvez na procura de saber-se. Desenhou-se com palavras, desenhou-se em manifestos, conferências e polémicas. Desenhou-se em palco. Desenhou-se a traço. Todos nós conhecemos Almada e os olhos de Almada. Todos nós o vimos nos autorretratos que durante anos ilustraram as capas da edição das obras completas. Todos nós entrámos em livrarias e vimos, vivos, os olhos de Almada a olhar para nós. Até hoje, através das suas palavras, dos seus desenhos, dos seus olhos, Almada nunca deixou de olhar para nós.

Foi com grande satisfação e orgulho que aceitámos o desafio da Câmara Municipal de Lisboa para fazer um monumento a Almada Negreiros.

Sendo nós arquitectas, e sendo um arquitecto um solucionador de problemas, logo os procurámos e logo nos deparamos com o primeiro e o maior dos problemas. Como fazer um monumento a um artista que tanto se autorretratou, que tanto experimentou e depurou o traço desenhando os seus.

A solução estava, obviamente na obra do artista. Cedo concluímos que o desenho deste monumento já tinha sido feito pelo próprio Almada: chamava-se "Auto-reminiscência" e é, talvez, o mais depurado dos seus autorretratos.

A ideia foi assim por de pé um desenho, por de pé um autorretrato. Para isso convocamos um engenheiro e um serralheiro. Este monumento desenhado pelo próprio Almada, é pois obra de engenheiros e serralheiros. 

O seu amigo Pessoa que há muito que bebe um café lá em cima no Chiado, quando acabar e descer a rua do Alecrim, encontrará finalmente "o bebé do Orfeu" (como lhe chamou um dia) a olhar o Tejo, a olhar Lisboa e a olhar para nós com os seus olhos de gigante.

 

(Excerto do discurso por ocasião da inauguração do monumento a Almada Negreiros)

 

Local: Ribeira das Naus, Lisboa

Cliente: Câmara Municipal de Lisboa

Autoria: Catarina Almada Negreiros e Rita Almada Negreiros

Engenharia: Eng. Afonso Duarte (Prófico)

Serralharia: Leonel & Bicho

Data: 2013

Fotografia: © José Vicente | DPC | CML 2013